Considerações Sobre HIV e “Lugar de Fala”

Por Naamã Rubet

Imagem do Unsplash

No Brasil, o movimento de HIV/ aids tem uma longa história de conquistas políticas e resistência. Desde o início resistiu à política de morte. Mas, sem dúvidas, um recente trabalho na internet está sendo o responsável pela nova estética da pandemia aqui. Estética e discurso, desafio. Para os atualizados, a “cara” do HIV já é outra, e não mais o espetáculo que fizeram com nosso príncipe na capa da Veja.

A representatividade tem um grande valor nessa transformação. Com o surgimento das redes sociais, a Geração Z, se expondo na internet, produziu novos atores sociais, os influenciadores. Em paralelo, importantes transformações políticas e sociais trouxeram a discussão sobre o lugar de fala. HIV/aids: Quem fala desse lugar? Ativistas de décadas ocuparam a internet e jovens que acabaram de descobrir o diagnóstico falaram disso aqui. Surgem os influenciadores com pautas sobre HIV/aids. Recente acontecimento com fundamental importância na transformação estética e discursiva da epidemia.

Ainda há muito para avançar, mas, para os informados, a cara do HIV não é a mais como expuseram na Veja. O corpo positivo que agonizou em praça pública agora está em dezenas de perfis com milhares de seguidores na internet, desde dancinhas no TikTok a vídeos em canais do YouTube, além das belas fotos no Instagram e Twitter. Corpos positivos desejados. Que mudança. Exposição com importante valor político para um discurso.

Mas é preciso cautela. O “Eu” fala por si, e não por “Nós”. É assim que “Eu” vivo, e não “Nós”. A experiência da infecção é singular e complexa. O discurso sobre o vírus, as construções simbólicas, atrelados a marcadores sociais de diferença, encontram um sujeito atravessado por questões que diz respeito à morte, finitude, sexualidade, sexo e tantos outros. Nem entrarei no conceito de sujeito para psicanálise (pulsão, desejo e gozo). O resultado desse encontro é um espectro, pode variar desde o ativismo, abordando essa pauta nas redes, ao suicídio.

É importante que a sociedade veja que as pvhiv vivem. Mas quem assume esse lugar precisa ter cuidado para não vender nas redes um ideal de narrativa após o diagnóstico. Pois, não há! Existe a possível, e cada um constrói ao seu modo. Esse discurso esbarra em questões subjetivas. Na clínica, os sujeitos chegam angustiados com o resultado do diagnóstico, mas, em sessões , começam a falar de outras questões que o resultado despertou. Aposto na escuta analítica como possibilidade, ou mesmo terapia, quando a angústia chega. Apontar os avanços biomédicos sem considerar os efeitos do estigma no sujeito é ser simplista. Essa é uma questão densa.

É claro que há tratamento, mas muitos abandonam. A experiência de buscá-lo na farmácia pode ser de quase morte. O barulho dos frascos da medicação causa pavor. O som do alarme, que lembra da hora do remédio, causa angústia. A dúvida de que se viverá um amor novamente impera. Para alguns, a solidão se torna certeza. É o que ouço na clínica. TARV, que paradoxo, o que mantém vivo pode ser um peso. E essa carga, como diminui?

Essa é uma importante denúncia que deve ser feita pelos que assumiram o tal lugar de fala. É preciso discutir HIV/aids na sua complexidade.
Simplificar o que é complexo mata, nas mais possíveis dimensões da morte.

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