O Sofrimento do Homem Gay Cisgênero

Por Naamã Rubet

Imagem disponível no Unsplash

Apesar de ainda termos um longo caminho a percorrer, não há como negar que no Brasil, nos últimos anos, homens gays cisgêneros se beneficiaram com ganhos na média de aceitação social. Presenciamos transformações marcadas por conquistas legais como o direito ao casamento em cartório, direito à adoção de filhos, criminalização da homofobia e a suspensão de restrições para doação de sangue. As telenovelas exibem em horário nobre o amor entre dois homens. O Big Brother Brasil, um dos programas mais vistos da televisão Brasileira, recentemente televisionou o primeiro beijo gay de todas suas edições. Testemunhamos a existência de homens gays cisgêneros deixando as sombras.

Celebramos a importância, proporção e velocidade dessas transformações, porém em alerta. Estudos sobre índice de depressão, solidão e abuso de substâncias entre homens gays permanecem no mesmo lugar que estiveram por anos.

Pesquisas em países com conquistas legais como a legalização do casamento gay e a adoção de filhos, evidenciam uma grande diferença nas taxas de transtorno de humor, automutilação e suicídio entre homens gays em relação aos héteros. O estudo “Prevenção de suicídio entre homens gays e bissexuais: nova pesquisa e perspectiva” no Canadá, mostrou que lá, homens gays estão de 2 a 10 vezes mais favoráveis em tirar suas vidas em relação a homens héteros. Na Holanda, três vezes mais propensos a sofrer de transtorno de humor. Já na Suécia, a taxa de suicídio entre homens casados com homens é tripla em relação a homens casados com mulheres. Não encontrei pesquisas com essa profundidade aqui no Brasil, mas isso não diminui nosso alerta sobre o sofrimento do homem gay brasileiro.

Conquistas legais e aceitação social são imprescindíveis, mas, por si só, aparentam não ser suficientes para evitar o sofrimento psíquico dessa população. Tais preocupantes estatísticas levam à mesma conclusão: ainda é muito perigoso passar pela vida como um homem que se atrai sexualmente por outros homens. De algum modo, homens gays são preparados para esperar a rejeição. Pertencer a um grupo marginalizado exige muito esforço. Desde a infância são anos e anos de pequenos estressores e o trauma é a natureza prolongada dele — pequenos eventos levam ao questionamento: Será que é por causa da minha sexualidade? Fenômeno que foi chamado pelos pesquisadores da área de “Estresse de Minorias”.

Até recentemente, a maioria dos estudos apontava como causa do sofrimento psíquico dessa população agentes estressores externos à comunidade, a homofobia encarnada na rejeição familiar, rejeição da comunidade religiosa, entre outras. Porém, um estudo realizado por John Pachankis, professor e pesquisador na universidade de Yale, nos EUA, mostrou que homens gays têm sofrido psiquicamente com estresse vindo dos seus pares, fenômeno nomeado como “Estresse Intra-minoritário”.

A primeira rodada de danos acontece antes de sair do armário, a segunda, e talvez a mais severa, vem depois. Após deixar a solidão do armário, o sentimento de isolamento pode permanecer. A fantasia de que depois da auto aceitação da sua sexualidade virá um recomeço mais confortável e segura no “vale dos homossexuais”, ou seja, em uma comunidade de pessoas que vivenciaram a mesma rejeição que você, logo cai por terra. A luta para se encaixar fica cada vez mais intensa.

Fora do armário, a sensação de não pertencimento pode ser ainda maior. Uma vida inteira de inadequação. Em um primeiro momento ao mundo, que é heteronormativo, em seguida, as exigências do “mundo gay”. Um é produtor de sofrimento. Um estudo publicado em 2015, na Califórnia, apontou que lá a taxa de depressão e ansiedade são maiores em homens que tinham saído recentemente do armário em relação aos que ainda estavam “presos” nele. Um novo trauma. De repente não é mais sua homossexualidade que faz você ser rejeitado, mas por ser quem é. Por ser afeminado, sua cor, idade, peso e renda. Nesse contexto, as crianças que foram vítimas de bullying, ao crescer, se tornaram os agressores. Segundo Pachankis, a discriminação dentro do grupo pode causar mais danos do que a rejeição externa.

A pesquisa sobre o “Estress Intra- minoritario” na comunidade gay revelou quatro principais eixos e, em sua maioria, marcados pelo excesso: Excessivo foco no sexo em detrimento de relacionamentos ou amizades; Excessiva preocupação com o status: masculinidade, atratividade e riqueza; Excessiva competitividade com os pares; Exclusão da diversidade na comunidade gay, que inclui diversidade étnico- racial, diversidade de idade e a discriminação dos que vivem com HIV.

Entre as razões da comunidade poder ser um agente estressor, encontra-se como essa rejeição acontece. Com o advento da internet, espaços de encontros gays, como bares e baladas, estão sendo substituídos pelas redes sociais e aplicativos. Para muitos, essa se tornou a principal forma de interação com outros homens gays. Há pesquisas que revelam que até 90% dos homens gays nos aplicativos buscam parceiros com as seguintes características: jovens, altos, brancos e másculos. No entanto, a maioria nem sequer atende uma dessas exigências.

A seleção estética para um sexo casual inicia pelo “manda foto”, mas, quase sempre, elimina nossa diversidade: Não aos gordos, afeminados, baixos. A lista é enorme. Isso sem um mínimo de interação. Esse tipo de conexão apenas fornece uma forma eficiente de se sentir inadequado por ser quem é. Fica ainda pior com a intersecção do racismo, já que quase sempre homens gays pretos nos aplicativos recebem duas formas de feedback: rejeitados ou fetichizados.

De algum modo, o que aconteceu na infância se reproduz na vida adulta. No armário, a autoestima do garoto estará vinculada às exigências do mundo externo: sendo um excelente aluno, excelente no esporte, entre outros. Na vida adulta, esse valor se concentra nas normas da comunidade gay, que é ainda mais exigente: ter uma “boa aparencia”, ser másculo e com uma performance sexual impecável. Por um momento pode até ser alcançado, mas, após uma vida inteira vivida pelo olhar do outro, chega a idade, já exausto, vem a pergunta: Isso é tudo que existe? Aí pode vir a depressão.

Não é por causalidade que estamos preocupados com o “Chamsex”, ou “Sexo químico”, entre homens gays e bissexuais. Apesar de não haver pesquisas com essa correlação, no consultório é recorrente escutar de pacientes adeptos à prática, que entre outras coisas, ao fazê-la, se sentem mais sensuais, mais atraentes e, até, menos preocupados com julgamentos. Diferente do “Sexo careta”. A droga aumenta o prazer, mas também diminui a sensibilidade ao desprazer, ao mal-estar. Ela oferece uma forma de atingir a independência do externo e da realidade. Certamente, em alguma medida, isso é um sintoma que nos alerta para o sofrimento.

Não há dúvidas que para os outros integrantes da comunidade L(G)BTQIA + há um sofrimento ainda mais devastador, mas atravessados por interseções específicas, sendo assim, demandam análises específicas, inclusive os homens gays transgêneros. Não é possível afirmar que em algum momento a lacuna da “saúde mental” entre homens gays e héteros deixará de existir, mas uma coisa é certa, os desafios enfrentados possibilitaram que homens gays desenvolvessem resistência e resiliência, mas por alto custo. Consideramos esses fatos na medida que lutamos por leis e ambientes melhores e, sobretudo, deixamos de reproduzir a violência que em um primeiro momento sofremos e aprendemos a sermos melhores com os nossos.

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